15 de março de 2013

O ciúme



Por que ninguém fala abertamente dele, né?!
Mamãe voltou para análise depois de quase três meses. Feliz com o fato de termos conseguido - eu e o papai - contornar a fase mais difícil do seu comportamento depois da chegada da irmã. As duas primeiras semanas de fevereiro foram duras! Vovó Paula já tinha ido embora, papai voltou a trabalhar. Sobramos eu e a antiga babá para ficar com você, que ainda não aguenta ficar um minuto sozinho. Tá sofrendo... mas já com menos intensidade.

AVATAR 
Contei na sessão do "tiroteio" que você armava em casa, o tempo todo, pra todo canto. E disse que tive que recolher todos os objetos que serviam para ataques: espadas, corda e a maldita flecha que seu pai te deu ainda quando a mamãe estava na maternidade. Todo mundo foi atacado, literalmente! Uma das primeiras observações da analista foi sobre a flecha, claro: "Muito interessante, né?!, uma flecha!". O seu pai certamente não pensou na conotação quando atendeu seu pedido pelo presente. Quem pensaria?
Daí contei que um dia te falei: "Filho, nós não estamos em guerra! Isso aqui não é Pandora!", já desesperada. E aí veio a pergunta ou afirmação, não me lembro ao certo, que clareou o meu pensamento e tirou de mim a imagem de você estava terrível porque não sabia se controlar: "Mas para ele era uma guerra, né?!". Meodeos! 
A mamãe já sabia que você, como qualquer criança que ganha um irmão, estava sofrendo de ciúmes. Mas não enxerguei que a sua reação - o tempo todo! - era típica de quem estava enfrentando uma guerra! Ao me dar conta disso, pude perceber que você agia como se estivesse defendendo o seu espaço constantemente. Pra nós, que te amamos e queríamos cuidar de você, só parecia uma reação descontrolada. 
Enxergar me permitiu ver tudo de um jeito diferente e agora me ajuda a mudar a minha reação quando algo não vai bem.

CIÚME - ELE EXISTE E É PRECISO NOMEÁ-LO 

A analista perguntou: "Vocês já falaram disso com ele?". Na hora entendi que era preciso falar. Desconcertada, contei que um dia, logo no começo, te perguntei se estava com ciúme da babá, Elisa. "Elisa?", ela rebateu com estranheza. Também não precisou de mais nada para eu entender que o ciúme era de mim. Ou da irmã, mais provável. Expliquei que você tinha ficado muito agressivo com ela. Mas entendi que apesar da agressividade ter sido mais forte contra a babá, não era dela que você sentia ciúme.
Conversando com seu pai sobre a descoberta do quão importante era falar sobre isso com você, me dei conta de que a coisa parece tão natural que, por isso, não damos nome aos bois. Todo mundo pergunta sobre ciúmes, todo mundo fala sobre ciúme, mas ninguém conversa diretamente com quem sente. Ou seja, nós já sabíamos que você sentiria, sabíamos que você estava sofrendo e tentávamos fazer de tudo para amenizar esse sofrimento. Ficamos quase dois meses trabalhando para tentar fazer você não se sentir preterido. Mas não nos demos conta de que falar abertamente com você era o mais importante. Descoberto isso, no dia seguinte já te falei: "Filho, você não precisa ter ciúme da sua irmã!". E você perguntou imediatamente: "Por quê?". Fiquei impressionada com a pureza da pergunta. Ou seja, é tão óbvio sentir ciúme que você quis saber porque não precisava ter. 
E eu respondi que, com a chegada dela, nada mudou no que sentimos por você, que te amamos do mesmo jeito. Que ela só veio tornar a nossa família mais bonita e bacana. 
No dia seguinte, depois de levar quatro chutes de tae kon do na perna, fiquei brava. Confesso que até revidei com um. E, mesmo indignada, resolvi perguntar sem muita certeza: "Filho, você está com ciúme da sua irmã?". Na bucha veio um: "Tô!" e explicou que queria ter uma babá só para você. Isso porque a novata, que só contribuiu para essa fase mais tranquila, tinha acabado de subir para preparar o banho da neném, enquanto a mamãe a segurava no colo. Você se sentiu deixado e eu não tinha percebido! Logo expliquei que não dá para ter duas babás, que todas as famílias tem uma só para cuidar dos irmãos e dei exemplos. Em menos de 1 minuto, você já estava querendo segurar a irmãzinha no colo. OU SEJA: constatei que falar sobre o ciúmes é como tirar uma nuvem negra de cima com a mão! Tudo muda!  Incrível! 

É LEGÍTIMO 
Comentei com a tia Gá por mensagem sobre as descobertas, sobre as conversas com você e ela disse: "Sobre afetos, o único viés é a palavra. Falar, falar até esvaziar... Legitimar, nomear e, então, encontrar caminhos da solução. Ele se sente compreendido e, consequentemente, amado!"
Que coisa maravilhosa isso, gente!  Aprender, sem receitas, o caminho para melhorar a nossa relação e fazer as coisas serem mais fáceis para você. Mamãe entende que você sentirá ciúme muitas vezes. Mas quer torná-lo menos sofrido e está feliz de ter encontrado o caminho. Nós te amamos, preto!